sábado, 25 de dezembro de 2010

Atrás da porta.


Sem esperar. Foi assim que recebi o meu melhor presente de natal dos últimos sete anos. Sete anos. Eu não esperava, não tinha como prever. E como se tivesse me visitado ontem a noite, como se trocássemos confidências ao telefone diariamente, ouvi sua voz me dizer: "Feliz Natal, seca!". A alegria que senti não chegava nem perto de toda a emoção que ainda estaria por vir. A ligação foi refeita como se jamais houvesse sido quebrada. O telefone mudo não calava a alma, e eu podia sentir, como que telepaticamente, a sua, a minha vontade de que estivéssemos juntos. Abrir a porta e ver os olhos pequenos novamente, tão perto dos meus profundos, aflitos, apreensivos. Não sei se foi Elis, atrás da porta, que abriu os seus braços para que me coubesse. Me aconcheguei como se nunca estivesse em nenhum outro lugar, que não naqueles braços Tupy. Era como se fosse a minha primeira vez. Sei que é bastante clichê e um tanto inacreditável. Mas nós sabíamos: Era a nossa primeira vez.A primeira vez daquelas mãos (zinhas) no meu corpo desnudo. Carne com carne, sem tecido.Branco e preto.Era a primeira vez que conhecia seus contornos, e me maravilhava com els. Aquele cheiro de mar, aquele era o de sempre. A estupidez forçada, camuflando a explosão de sentimentos perceptíveis em cada olhar, cada pausa, cada ajeitada de cabelo. Foi a primeira vez... de muitas? Não sei se desejo isso. A dimensão de certas coisas me assusta. Só tenho a grande certeza de que não é atrás da porta que te quero. te quero assim, no presente do indicativo.




quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Chega me emocionei!


Obrigada a você, que me sorri com a alma! Que venha 2011, com suas alegrias e tristezas, para que possamos brindá-las! TIM-TIM, PAI!

"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra."
C.F.A.


Com amor, muito amor, por cada carinha dessa.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Feito pra durar.


Tem pessoas que simplesmente desobedecem a ordem natural das coisas dentro de nós: elas nascem, crescem... crescem, crescem, crescem, crescem...

"Os Dragões Não Conhecem o Paraíso"


"Tenho um dragão que mora comigo.

Não, isso não é verdade.

Não tenho nenhum dragão. E, ainda que tivesse, ele não moraria comigo nem com ninguém. Para os dragões, nada mais inconcebível que dividir seu espaço - seja com outro dragão, seja com uma pessoa banal feito eu. Ou invulgar, como imagino que os outros devam ser. Eles são solitários, os dragões. Quase tão solitários quanto eu me encontrei, sozinho neste apartamento, depois de sua partida. Digo quase porque, durante aquele tempo em que ele esteve comigo, alimentei a ilusão de que meu isolamento para sempre tinha acabado. E digo ilusão porque, outro dia, numa dessas manhãs áridas da ausência dele, felizmente cada vez menos freqüentes (a aridez, não a ausência), pensei assim: Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma como precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo.

Isso me pareceu grandiloqüente e sábio como uma idéia que não fosse minha, tão estúpidos costumam ser meus pensamentos. E tomei nota rapidamente no guardanapo do bar onde estava. Escrevi também mais alguma coisa que ficou manchada pelo café. Até hoje não consigo decifrá-la. Ou tenho medo da minha - felizmente indecifrável - lucidez daquele dia.

Estou me confundindo, estou me dispersando.

O guardanapo, a frase, a mancha, o medo - isso deve vir mais tarde. Todas essas coisas de que falo agora - as particularidades dos dragões, a banalidade das pessoas como eu -, só descobri depois. Aos poucos, na ausência dele, enquanto tentava compreendê-lo. Cada vez menos para que minha compreensão fosse sedutora a ponto de convencê-lo a voltar, e cada vez mais para que essa compreensão ajudasse a mim mesmo a. Não sei dizer. Quando penso desse jeito, enumero proposições como: a ser uma pessoa menos banal, a ser mais forte, mais seguro, mais sereno, mais feliz, anavegar com um mínimo de dor. Essas coisas todas que decidimos fazer ou nos tornar quando algo que supúnhamos grande acaba, e não há nada a ser feito a não ser continuar vivendo.

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.

Ninguém perguntará coisa alguma, penso. Depois continuo a contar para mim mesmo, como se fosse ao mesmo tempo o velho que conta e a criança que escuta, sentada no colo de mim. Foi essa a imagem que me veio hoje pela manhã quando, ao abrir a janela, decidi que não suportaria passar mais um dia sem contar esta história de dragões. Consegui evitá-la até o meio da tarde. Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para transformar-se numa grande chaga.

Assim, agora, estou aqui. Ponta fina de agulha equilibrada entre os dedos da mão direita, pairando sobre a palma aberta da mão esquerda. Algumas anotações em volta, tomadas há muito tempo, o guardanapo de papel do bar, com aquelas palavras sábias que não parecem minhas e aquelas outras, manchadas, que não consigo ou não quero ou finjo não poder decifrar.

Ainda não comecei.

Queria tanto saber dizer Era uma vez. Ainda não consigo.

Mas preciso começar de alguma forma. E esta, enfim, sem começar propriamente, assim confuso, disperso, monocórdio, me parece um jeito tão bom ou mau quanto qualquer outro de começar uma história. Principalmente se for uma história de dragões.

Gosto de dizer tenho um dragão que mora comigo, embora não seja verdade. Como eu dizia, um dragão jamais pertence a nem mora com alguém. Seja uma pessoa banal igual a mim, seja unicórnio, salamandra, harpia, elfo, hamadríade, sereia ou ogro. Duvido que um dragão conviva melhor com esses seres mitológicos, mais semelhantes à natureza dele, do que com um ser humano. Não que sejam insociáveis. Pelo contrário, às vezes um dragão sabe ser gentil e submisso como uma gueixa. Apenas, eles não dividem seus hábitos.

Ninguém é capaz de compreender um dragão. Eles jamais revelam o que sentem. Quem poderia compreender, por exemplo, que logo ao despertar (e isso pode acontecer em qualquer horário, às três da tarde ou às onze da noite, já que o dia e a noite deles acontecem para dentro, mas é mais previsível entre sete e nove da manhã, pois essa é a hora dos dragões) sempre batem a cauda três vezes, como se estivessem furiosos, soltando fogo pelas ventas e carbonizando qualquer coisa próxima num raio de mais de cinco metros? Hoje, pondero: talvez seja essa a sua maneira desajeitada de dizer, como costumo dizer agora, ao despertar - que seja doce.

Mas no tempo em que vivia comigo, eu tentava - digamos - adaptá-lo às circunstâncias. Dizia por favor, tente compreender, querido, os vizinhos banais do andar de baixo já reclamaram da sua cauda batendo no chão ontem às quatro da madrugada. O bebê acordou, disseram, não deixou ninguém mais dormir. Além disso, quando você desperta na sala, as plantas ficam todas queimadas pelo seu fogo. E, quando você desperta no quarto, aquela pilha de livros vira cinzas na minha cabeceira.

Ele não prometia corrigir-se. E eu sei muito bem como tudo isso parece ridículo. Um dragão nunca acha que está errado. Na verdade, jamais está. Tudo que faz, e que pode parecer perigoso, excêntrico ou no mínimo mal-educado para um humano igual a mim, é apenas parte dessa estranha natureza dos dragões. Na manhã, na tarde ou na noite seguintes, quando ele despertasse outra vez, novamente os vizinhos reclamariam e as prímulas amarelas e as begônias roxas e verdes, e Kafka, Salinger, Pessoa, Clarice e Borges a cada dia ficariam mais esturricados. Até que, naquele apartamento, restássemos eu e ele entre as cinzas. Cinzas são como seda para um dragão, nunca para um humano, porque a nós lembram destruição e morte, não prazer. Eles trafegam impunes, deliciados, no limiar entre essa zona oculta e a mais mundana. O que não podemos compreender, ou pelo menos aceitar.

Além de tudo: eu não o via. Os dragões são invisíveis, você sabe. Sabe? Eu não sabia. Isso é tão lento; tão delicado de contar - você ainda tem paciência? Certo, muito lógico você querer saber como, afinal, eu tinha tanta certeza da existência dele, se afirmo que não o via. Caso você dissesse isso, ele riria. Se, como os homens e as hienas, os dragões tivessem o dom ambíguo do riso. Você o acharia talvez irônico, mas ele estaria impassível quando perguntasse assim: mas então você só acredita naquilo que vê? Se você dissesse sim, ele falaria em unicórnios, salamandras, harpias, hamadríades, sereias e ogros. Talvez em fadas também, orixás quem sabe? Ou átomos, buracos negros, anãs brancas, quasars e protozoários. E diria, com aquele ar levemente pedante: “Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno. Os dragões não cabem nesses pequenos mundos de paredes invioláveis para o que não é visível”.

Ele gostava tanto dessas palavras começadas por in - invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. A tal ponto que, quando o percebia intratável, para usar uma palavra que ele gostaria, suspeitava-o ao contrário: molhado de carinho. Pensava às vezes em tratá-lo dessa forma, pelo avesso, para que fôssemos mais felizes juntos. Nunca me atrevi. E, agora que se foi, é tarde demais para tentar requintadas harmonias.

Ele cheirava a hortelã, a alecrim. Eu acreditava na sua existência por esse cheiro verde de ervas esmagadas dentro das duas palmas das mãos. Havia outros sinais, outros augúrios. Mas quero me deter um pouco nestes, nos cheiros, antes de continuar. Não acredite se alguém, mesmo alguém que não tenha um mundo pequeno, disser que os dragões cheiram a cavalos depois de uma corrida, ou à cachorros das ruas depois da chuva. A quartos fechados, mofo, frutas podres, peixe morto e maresia - nunca foi esse o cheiro dos dragões.

A hortelã e alecrim, eles cheiram. Quando chegava, o apartamento inteiro ficava impregnado desse perfume. Até os vizinhos, aqueles do andar de baixo, perguntavam se eu andava usando incenso ou defumação. Bem, a mulher perguntava. Ela tinha uns olhos azuis inocentes. O marido não dizia nada, sequer me cumprimentava. Acho que pensava que era uma dessas ervas de índio que as pessoas costumam fumar quando moram em apartamentos, ouvindo música muito alto. A mulher dizia que o bebê dormia melhor quando esse cheiro começava a descer pelas escadas, mais forte de tardezinha, e que o bebê sorria, parecendo sonhar. Sem dizer nada, eu sabia que o bebê devia sonhar com dragões, unicórnios ou salamandras, esse era um jeito do seu mundo ir-se tornando aos poucos mais largo. Mas os bebês costumam esquecer dessas coisas quando deixam de ser bebês, embora possuam a estranha facilidade de ver dragões - coisa que só os mundos muito largos conseguem.

Eu aprendi o jeito de perceber quando o dragão estava a meu lado. Certa vez, descemos juntos pelo elevador com aquela mulher de olhos-azuis-inocentes e seu bebê, que também tinha olhos-azuis-inocentes. O bebê olhou o tempo todo para mim. Depois estendeu as mãos para o meu lado esquerdo, onde estava o dragão. Os dragões param sempre do lado esquerdo das pessoas, para conversar direto com o coração. O ar a meu lado ficou leve, de uma coloração vagamente púrpura. Sinal que ele estava feliz. Ele, o dragão, e também o bebê, e eu, e a mulher, e a japonesa que subiu no sexto andar, e um rapaz de barba no terceiro. Sorríamos suaves, meio tolos, descendo juntos pelo elevador numa tarde que lembro de abril - esse é o mês dos dragões - dentro daquele clima de eternidade fluida que apenas os dragões, mas só às vezes, sabem transmitir.

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca - amor. Se não o tempo todo, pelo menos quando lembro de momentos assim. Infelizmente, raros. A aspereza e o avesso parecem ser mais constantes na natureza dos dragões do que a leveza e o direito. Mas queria falar de antes do cheiro. Havia outros sinais, já disse. Vagos, todos eles.

Nos dias que antecediam a sua chegada, eu acordava no meio da noite, o coração disparado. As palmas das mãos suavam frio. Sem saber por que, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começava a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado e à feira para encher o apartamento de rosas e palmas e morangos daqueles bem gordos e cachos de uvas reluzentes e beringelas luzidias (os dragões, descobri depois, adoram contemplar berinjelas) que eu mesmo não conseguia comer. Arrumava em pratos, pelos cantos, com flores e velas e fitas, para que o espaço ficasse mais bonito.

Como uma fome, me dava. Mas uma fome de ver, não de comer. Sentava na sala toda arrumada, tapete escovado, cortinas lavadas, cestas de frutas, vasos de flores - acendia um cigarro e ficava mastigando com os olhos a beleza das coisas limpas, ordenadas, sem conseguir comer nada com a boca, faminto de ver. À medida que a casa ficava mais bonita, eu me tornava cada vez mais feio, mais magro, olheiras fundas, faces encovadas. Porque não conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem brisa por baixo da porta e se instalar devagarinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado.

Esses ritmos, só descobri aos poucos. Mesmo o cheiro de hortelã e alecrim, descobri que era exatamente esse quando encontrei certas ervas numa barraca de feira. Meu coração disparou, imaginei que ele estivesse por perto. Fui seguindo o cheiro, até me curvar sobre o tabuleiro para perceber: eram dois maços verdes, a hortelã de folhinhas miúdas, o alecrim de hastes compridas com folhas que pareciam espinhos, mas não feriam. Perguntei o nome, o homem disse, eu não esqueci. Por pura vertigem, nos dias seguintes repetia quando sentia saudade: alecrim hortelã alecrim hortelã alecrim...

Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicadias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ir ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os dragões não perdoam a feiúra. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara visita.

Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora. E forçava os olhos pelos cantos para ver se encontrava pelo menos o reflexo de suas escamas de prata esverdeadas, luz fugidia, a ponta em seta de sua cauda pela fresta de alguma porta ou a fumaça de suas narinas, cujas cores mudavam conforme seu humor. Que era quase sempre mau, e a fumaça, negra. Naqueles dias, enlouquecia cada vez mais, querendo agora já urgente ser feliz. Percebendo minha ânsia, ele tornava-se cada vez mais remoto. Ausentava-se, retirava-se, fingia partir. Rarefazia seu cheiro de ervas até que não passasse de uma suspeita verde no ar. Eu respirava mais fundo, perdia o fôlego no esforço de percebê-lo, dia após dia, enquanto flores e frutas apodreciam nos vasos, nos cestos, nos cantos. Aquelas mosquinhas negras miúdas esvoaçavam em volta delas, agourentas.

Tudo apodrecia mais e mais, sem que eu percebesse, doído do impossível que era tê-lo. Atento somente à minha dor, que apodrecia também, cheirava mal. Então algum dos vizinhos batia à porta para saber se eu tinha morrido e sim, eu queria dizer, estou apodrecendo lentamente, cheirando mal como as pessoas banais ou não cheiram quando morrem, à espera de uma felicidade que não chega nunca. Eles não compreenderiam, ninguém compreenderia. Eu não compreendia, naqueles dias - você compreende?

Os dragões, já disse, não suportam a feiúra. Ele partia quando aquele cheiro de frutas e flores e, pior que tudo, de emoções apodrecidas tornava-se insuportável. Igual e confundido ao cheiro da minha felicidade que, desta e mais uma vez, ele não trouxera. Dormindo ou acordado, eu recebia sua partida como um súbito soco no peito. Então olhava para cima, para os lados, à procura de Deus ou qualquer coisa assim - hamadríades, arcanjos, nuvens radioativas, demônios que fossem. Nunca os via. Nunca via nada além das paredes de repente tão vazias sem ele.

Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte. Dunas, geleiras, estepes. Nunca mais reflexos esverdeados pelos cantos, nem perfume de ervas pelo ar, nunca mais fumaças coloridas ou formas como serpentes espreitando pelas frestas de portas entreabertas. Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa. A não ser o belo, que é de ver, não de mastigar, e por isso mesmo também uma forma de desconforto. No turvo seco de uma casa esvaziada da presença de um dragão, mesmo voltando a comer e a dormir normalmente, como fazem as pessoas banais, você não sabe mais se não seria preferível aquele pantanal de antes, cheio de possibilidades - que não aconteciam, mas que importa? - a esta secura de agora. Quando tudo, sem ele, é nada.

Hoje, acho que sei. Um dragão vem e parte para que seu mundo cresça? Pergunto - porque não estou certo - coisas talvez um tanto primárias, como: um dragão vem e parte para que você aprenda a dor de não tê-lo, depois de ter alimentado a ilusão de possuí-lo? E para, quem sabe, que os humanos aprendam a forma de retê-lo, se ele um dia voltar?

Não, não é assim. Isso não é verdade.

Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estréiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena. Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto - pelo avesso, igual ao direito - incompreendida, rejeitada, desprezada. Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos - como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim. Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.

Quando volto a pensar nele, nestas noites em que dei para me debruçar à janela procurando luzes móveis pelo céu, gosto de imaginá-lo voando com suas grandes asas douradas, solto no espaço, em direção a todos os lugares que é lugar nenhum. Essa é sua natureza mais sutil, avessa às prisões paradisíacas que idiotamente eu preparava com armadilhas de flores e frutas e fitas, quando ele vinha. Paraísos artificiais que apodreciam aos poucos, paraíso de eu mesmo - tão banal e sedento - a tolerar todas as suas extravagâncias, o que devia lhe soar ridículo, patético e mesquinho. Agora apenas deslizo, sem excessivas aflições de ser feliz.

As manhãs são boas para acordar dentro delas, beber café, espiar o tempo. Os objetos são bons de olhar para eles, sem muitos sustos, porque são o que são e também nos olham, com olhos que nada pensam. Desde que o mandei embora, para que eu pudesse enfim aprender a grande desilusão do paraíso, é assim que sinto: quase sem sentir.

Resta esta história que conto, você ainda está me ouvindo? Anotações soltas sobre a mesa, cinzeiros cheios, copos vazios e este guardanapo de papel onde anotei frases aparentemente sábias sobre o amor e Deus, com uma frase que tenho medo de decifrar e talvez, afinal, diga apenas qualquer coisa simples feito: nada disso existe. E esse nada incluiria o amor e Deus, e também os dragões e todo o resto, visível ou invisível.

Nada, nada disso existe.

Então quase vomito e choro e sangro quando penso assim. Mas respiro fundo, esfrego as palmas das mãos, gero energia de mim. Para manter-me vivo, saio à procura de ilusões como o cheiro das ervas ou reflexos esverdeados de escamas pelo apartamento e, ao encontrá-los, mesmo apenas na mente, tornar-me então outra vez capaz de afirmar, como num vício inofensivo: tenho um dragão que mora comigo. E, desse jeito, começar uma nova história que, desta vez sim, seria totalmente verdadeira, mesmo sendo completamente mentira. Fico cansado do amor que sinto, e num enorme esforço que aos poucos se transforma numa espécie de modesta alegria, tarde da noite, sozinho neste apartamento no meio de uma cidade escassa de dragões, repito e repito este meu confuso aprendizado para a criança-eu-mesmo sentada aflita e com frio nos joelhos do sereno velho-eu-mesmo:

- Dorme, só existe o sonho. Dorme, meu filho. Que seja doce.

Não, isso também não é verdade."

(Caio F.A.)

.:::E eu, vivendo de saudade do meu dragão...

domingo, 21 de novembro de 2010

Sem açúcar, mas com afeto.


Fui ler um texto no blog de uma amiga e pasmei: aquelas palavras, todas, todinhas, poderiam ter sido escritas por mim. Aí me lembrei desse texto-email que escrevi com o coração digitando nas teclas, para um certo alguém que ainda é, e sempre será, muito especial Está aí, para dividir com vocês:

Era uma vez...aliás, eram duas vezes...ou três... ou quantas mais vier.

Lindo. Você é um lindo. e quando eu digo assim, eu me refiro ao inteiro, ao completo, a tudo que vem de ti. Queria te dizer tanta coisa que não disse por conta dessa minha timidez que teima em aparecer nos momentos mais inoportunos. Sim, eu estive tímida a maioria do tempo, porque está com você era muito importante pra mim, era muito esperado. Quando eu comecei a me mostrar, o nosso tempo já estava acabando.Tanta coisa que queria ter feito e não fiz. Mas acredito na dinâmica do universo, que fazem as coisas girarem no ritmo certo. E por isso não me arrependo. Quer dizer, mentira, me arrependo sim.rsrs. Mas não importa. Na despedida, queria ter dito a você o quanto estava grata por todo o carinho que você teve comigo, cuidado, atenção, respeito. Foi lindo o seu bilhetinho com os doces (que eram meus, mas que foram seus...rsrs). Foi uma delícia a barraca com o colchão gostoso. A feirinha com um monte de coisa colorida que a menina mimada da cidade não comia quase nada, mas que se rendeu a algumas cores por conta do incentivo de um par de olhos coloridos. Estava uma delícia a limonada amarga de toda manhã. Ficou ótimo o mocó na praia pra proteger do sol. A noite estrelada fez sua parte, junto com o som do violão de uma boa rapaziada no mais brilhante estilo bom de viver. Foi muuuito bom rir com você, de você, pra você. Foi massa te humilhar no futebol (kkkkkk) e voar no alto das suas pernas. Até tomar um tombo na grama foi bom. Passaria horas a fio divagando com você sobre ética, moral, psicologia, família, caminhos, rumos, destinos, e qualquer outro assunto que surgisse. Foi um aprendizado fazer filtrar os sonhos. E foi um sonho estar com você. Ter você em mim, o seu suor, o nosso. O cabelo molhado do banho. A massagem, a massagem, a massagem , a massagem... o contato com tato. A tronchisse. A lindeza. E até a chatisse...acompanhada de flatos escrotos. Até disso dá saudade. Eu tenho e vou ter saudade sempre. Até o dia que possamos findá-la novamente, numa casinha roots na chapada diamatina, com fogo a lenha e luz de vela. Ou na beira da ilha de itaparica, na Amazônia, no sertão ou em qualquer outro lugar desse mundo. Que seja. E que sendo, seja sempre!


E eu queria ter te dito isso na despedida, mas não disse porque não acredito que tenha sido uma despedida, mas um até breve. E quando você aparecer novamente, vou te convidar pra tomar uma xícara de café e vou achar um milagre o senhor por aqui, professor Girafales. rsrs

Espero que tenha gostado tanto quanto eu.



Muitos beijos, muita luz.
Flor.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Da Bruma Leve.

Eu, pela primeira vez, tive o privilégio de passar a noite com ele. Estávamos numa mesma festa e ele me olhou, com aqueles olhos de comer fotografia. Eu? Disse "cheese!" Ele me pegou pela mão e me falou: "quero você no meu camarim!" Eu, que não sou de contar conversa, nem pestanejei e, de bônus, ganhei um beijo daqueles. Um beijo daqueles, e dele!!! Eu sentia como se o meu corpo estivesse sem nenhum osso, me derretia nos braços dele. E ele me falou: quero você comigo! E eu pensava: "Meu Deus, muito obrigada Senhor... Vou ligar pro herodes!" Fui ao banheiro e liguei pro amiguinho:

- Amigo, você não vai acreditar!!!!!! Você não vai acreditar! Dessa vez me superei, posso morrer aqui agora que tô feliz!!!!

- Você pegou quem, monstra?! Me mate logo de raiva!

-Tô namorando com ele, fiu! Com Chico, ele me pediu em namoro!

- Quem é Chico, fia?

- Ele mesmo, o Buarque de Holanda!

Desliguei o telefone, porque ele batia à porta. Saí e ele me levou para o mitiê. Me apresentava a todos, como namorada, fotos, fotos, fotos! Entrevistas... Ele quis ir embora, uma pena, eu estava adorando o glamour. Fomos juntos a minha casa, apresentei-o a minha família, todos orgulhosos e sem jeito, sem saber como se portar diante daquele homem; e ele todo gentil. Dormimos juntos, e prefiro não dividir essa parte com vocês. Mas posso garantir que aqueles olhinhos verdes ficam afogueados quando querem. E aí de repente, tudo acabou com a chegada das 6:00 horas da matina e o despertador no meu ouvido. Acordei com a sensação do toque dele, com o gosto do beijo dele na minha boca. Passei o resto do dia sorrindo.

Lembrando aquele par de olhos verdes, os quais eu nunca esqueço.

.:Pago viu???

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pombo correio, voa depressa.

Estava tudo dando errado. Sabe aquele dia que não era pra você sair de sua casa? O trabalho está um saco, você está feia, quase bate o carro. Rola uma puta dor de cabeça. Está tudo errado e o que você quer é ir pra sua casa. Pois, estava eu fazendo isso na noite de terça-feira (28/09), quando recebo uma ligação de minha irmã, a qual atendi no meu super mau-humor do dia:

- O que é?
- Tá aonde?
- Tô indo pra casa. É o quê?
- Ah, então deixe, ia te chamar pra ir pro show de Moraes, que ganhei convites...
- Oxe, SÓ SE FOR AGORA!

Num instante a vida mudou! "Pô...hoje é meu dia de sorte!". Fomos pro show de Moraes Moreira, no projeto Música Falada, onde os artistas são convidados a contar e cantar a sua estória. Nada mais interessante do que a estória de Moraes, pra mim. Sou fã dos Novos Baianos. Fã de Moraes, da sua regionalidade, da sua voz e jeitão ímpar. E sempre fui frustrada por não ter vivido aquela época. Sempre achei que nasci na década errada. Está alí, ouvindo aquilo tudo, era como se tudo tivesse acontecendo novamente, e eu estava alí, presenciando. Me deu saudade do tudo que eu não vivi. Das loucuras doa anos setenta, da ditadura. Queria tanto estar lá...certeza que ia me mudar pro sítio do "Novos Baianos F.C". E ele ia contando as estórias e eu ia me identificando, me arrepiando, me emocionando. Moraes contava em Cordel, o seu encontro com João Gilberto. E as cenas iam se construindo na minha cabeça. Eu estava lá, eu estava lá!!! E todo mundo sentado... poxa, show de Moraes Moreira, ele fazendo um puta som, eu me coçando pra levantar...

- Renata, eu vou levantar.
- Não, Lorena, ninguém vai levantar!
- Que nada, tá todo mundo esperando uma deixa!
- Não, Lorena...
- Ih...

Me contive... E o povo lá...teso! Até que Moraes tocou "Cidadão" (aquela assim: "Navio Negreiro já era, agora quem manda é a galera, nessa cidade nação...Cidadão!"). Aí foi a gota! Nos levantamos e fomos para a lateral das cadeiras e tome a dançar! Entrega total! Dedinho pra cima, pra baixo, uhuuu! Desabafamos!!! Aí foi só alegria! Todo mundo se levantou, o teatro virou a Praça da Sé quando Moraes "chamou gente"! Ele se emocionou, emocionou a todos que estavam alí. É bom ter Moraes de volta ao carnaval de Salvador, é bom ter Moraes na música brasileira, e é, principalmente, um orgulho saber que aquele talento todo, é baiano! Salve os grandes nomes da música brasileira, salve nossos eternos gigantes!



.: PS: Foto tirada no museu do ritmo, onde eu paguei meeeesmo de tiete ("Moraes, eu sou sua fã!"... "É? Legaaal...")

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O valor das coisas.

Me lembro como hoje, a nossa primeira viagem juntas. Muita ansiedade, pelo lugar, e por também ainda não saber muito como lidar com ela. Depois de muita atrapalhação, conseguimos arrumá-la. Mas dessa primeira experiência, ela não foi muito badalada não. Por motivos extras, que prefiro não comentar, ficou lá, erguida, mas vazia. A verdade é essa.

O que não durou muito tempo... Já que diversas outras aventuras protagonizamos juntas. Subimos o morro juntas, ela pesando demais em minhas costas, mas eu tive que carregá-la, pois não poderia ir sem ela. Fomos dormir lá no alto das montanhas, na beira de uma cachoeira. Ah... Ainda bem que ela me é fiel, e não conta nada. Porque se ela resolvesse dar com a língua nos dentes, eu estaria acabada. Passamos muito frio juntas. Teve uma certa vez em que até água nos invadiu. Foi uma mistura de risos e desespero naquela noite.

Após algumas aventuras pelo serrado, resolvemos esquentar o clima. Aportamos em areias alagoanas por duas vezes. Ah... as areias alagoanas... tenho certeza que jamais esqueceremos aquela boa temporada. Chegamos bem tímidas na primeira vez... Mas na segunda, já estávamos "local". Fomos eu, ela, e uma outra grande companheira.

Nada mais belo do que a Praia do Francês. Nada mais louco, nada mais intenso... E agora, nada mais. Nem louco, nem francês, nem ela. É que ela não era minha, de verdade. Poderia ser, por Uso Capião, dois anos juntas, mas a verdade é que não era. Foi adquirida por uma amiga, dessas amigas empolgadas, que se você botar uma pilha, ela compra até prancha de surf, sem nem saber nadar, sabe? Foi adquirida por ela, mas ela nunca usou. Nunca nem me pediu pra usar. Nem vai usar nunca, sabe. Mas ela a levou de mim... Com certeza pra ficar na garagem, enfeitando o seu orgulho em dizer: "eu tenho uma barraca". Ou então pra emprestar aos amigos descolados. Até quis comprar ela, mas não teve muita conversa. Juro que fiquei muito sentida. Eu nem sabia que era tão apegada a ela, mas quando me vi sem, fiquei triste de verdade! Sei que você deve estar pensando que é tudo muito dramático, e é realmente. Mas é de verdade. Estou me sentindo meio sem teto. E imaginar que ela vai ficar lá pegando mofo, me dói mais ainda. Eu sei que não era minha, eu sei... mas qual o sentido de pegar de volta de uma amiga sua, um sapato 35, se você agora calça 37? Só porque é seu?! Deixa com ela, que ela faz bom uso! Ou então vende, que ela compra!!! Sei que ela poderia comprar uma nova, na loja, mas ela quer essa! Essa, que tem areia dentro, que ela não conseguiu limpar. Essa que está com um furinho básico na entrada, daquele cigarro que pegou sem querer. Ela queria essa, que guarda todas as lembranças de tantas histórias. Outra, na loja Centauro, não interessa.

Sim, com muito drama mesmo.

Lorena.

domingo, 30 de maio de 2010

Me deixe!!!! Aah!

Ah não, eu tive que vir escrever!!! Tive que vir, sabe porquê? Porquê eu fico muito puta! Fico puta com gente que além de ser covarde, ainda tenta me convencer a ser! Ah, vááá! Se tem uma coisa que não entra na minha cabeça de jeito nenhum são essas pessoas, que deixam de viver porque tem "medo de"! Medo de se apegar, medo de sofrer, medo de dar errado, medo, medo, medo! E medo de morrer??? Não tem não? Não deve ter, porque se tivesse, estava era aproveitando a vida com gosto, os nossos cinco sentidos. Quando relacionado ao amor então, esse medo triplica! Como temos medo do amor! As vezes eu ouço casos, ou vejo por aí, ou até mesmo acontece comigo, de você enxergar a oportunidade que as pessoas perdem de sentir um amor forte... Desses que te deixa completamente atordoado, que você precisa parar de conversar porque de cada dez palavras ditas, onze remetem a mesma pessoa! Que delícia! Tudo bem, vá, isso é paixonite. Botem o nome que quiserem, o que eu falo são dos sentimentos! Das emoções que nos impedimos de viver por nada. Eu sei que muitas vezes o "parar" é sábio, mas o continuar é muito digno também!!! Que gostoso amar de não caber no peito, ou até mesmo chorar ouvindo Bethânia cantando "Negue". Sentir aquela saudade gostosa dele, uma coceirinha boa no coração que faz você abraçar o travesseiro e deitar na cama suspiraaaando, com um sorrisinho besta no rosto! Ai gente, é uma delícia! E se tiver que sofrer, sofra também! Sofra com fervor! Com certeza passará mais rápido do que quem prefere sofrer com doses homeopáticas de Lexotan. Por isso que eu adoro os meus castelinhos! Vivo construindo castelinho! Se eu fico com um menino hoje e gosto, certeza que já imaginei minha sogra, meu sobrenome, e com quem deve parecer os nossos filhos. Sou assim mesmo. Pode até soar como imaturidade do amor romântico, e deve bem ser. Mas quer saber? Eu nem te ligo! Assim como eu amo arduamente quando estou com alguém ( e isso pode ser um namorado, um paquera, ou uma noite) , eu também sei virar a esquina. Tenho muitos castelinhos e gosto de conviver com eles. Eles enfeitam minha praia, mesmo que a onda venha e acabe com eles, não me importo! Vou lá e construo outros ainda maiores. Se você não gosta dos castelinhos, já construiu uma vez e não quis reconstruir após a onda... Tudo bem, eu lamento pelo seu desânimo, mas te peço só uma coisa... Não destrói os meus!!!

>>>Não tem aquele ditado, "quem tem boca fala o que quer" ? Pois então, quem tem coração... ama o quanto quiser!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Por não estarem distraídos

"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos." (Clarice Lispector)
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Me embriagando de Clarice...


sexta-feira, 30 de abril de 2010

Clarice, traga meus mortos.

Eu estava já deitada, mas não resisti em levantar. Da minha cama eu vejo o computador, e na minha tela, Clarice, a Lispector. Me olhando violentamente. Eu tento me explicar, mas ela não quer nem ouvir. Disse que cansou da mesma história, do mesmo papo. Poxa, mas eu queria que ela soubesse que dessa vez vai ser diferente. Juro que vai!!! Para Clarice, com essa descrença! Eu sei que eu prometi, mas acontece né? Já conversamos várias vezes sobre a arte da repetição... Já conversamos diversas vezes sobre tudo. E eu sempre tento falar, mas suas palavras me calam. Na verdade ecoam dentro de mim, como se no meu corpo não tivesse nada, além do som daquelas palavras. A forma como tudo o que é dito por você vai se colando a cada poro da minha pele, e aí eu sinto que somos uma só. Engraçado eu dizer que sou você, ou que você sou eu. Engraçado e pretencioso, porque perto de você, Clarice, eu nem sei se realmente sou.

Obrigada por me ouvir, mais uma vez e sempre.
E desculpa, Clarice.
"Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O ‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”

terça-feira, 6 de abril de 2010

Ele passarinho.

Lorena diz:
leu lipe?

Felipe diz:
vou ler loren
ah lorena
comecei e fiquei com ciume e aí?

Lorena diz:
rsrsrs
superesupere
ele passará
você passarinho

Felipe diz:
vou tentar crer

Lorena diz:
creia

Felipe diz:
lorena
xô dizer...
linda é vc!
só vou dizer isso.

Lorena diz:
poxa
me pegou de surpresa filipi

Felipe diz:
de verdade lorena

Lorena diz:
poxa filipi
obrigada
de verdade
fiquei emocionada

Felipe diz:
eu tb
acho que deus te fez magra pra dizer assim: essa não precisa de corpo, essa é pura alma e coração!

Lorena diz:
filipi
eu vou chorar

Felipe diz:
é serio.
vc... só existe vc.

Lorena diz:
quer casar comigo?
rsrs

Felipe diz:
rsrs

Lorena diz:
vou blogar isso

Porque ele é muito mais do que muita coisa. E como ex namorado, dá o melhor dos melhores amigos. Ele passarinho.

.:Para o babe, com amor eterno.

terça-feira, 30 de março de 2010

Dessas que só dizem sim...



"Veja bem, meu bem
Sinto te informar que arranjei alguém
pra me confortar.
Este alguém está quando você sai
E eu só posso crer, pois sem ter você
nestes braços tais."

Quando eu digo a vocês que a minha vida é feita de repentes...

quarta-feira, 17 de março de 2010

Sem você, sei quase nada...


Porque nada sem você faz sentido. Nada. De nada adianta não ir pra faculdade sem ter você no meu quarto, dormindo. Faço vitamina de banana pra ninguém. Me arrumo, ponho um vestido florido, e ninguém vê. De nada adianta um domingo de sol, se você não está aqui, pra acordar as 14 horas e irmos para a praia na hora de voltar. Sorrir, sem você não faz sentido. Que não é igual a sorrir com você. A tomar café com você. A comer, e dormir, e comer, e dormir, uma sequência de vezes. Isso sem você? Me responde, faz sentido? Saber dos segredos mais secretos e não te contar... não tem a menor graça. Ganhar dois ingressos do camarote do show de Maria Gadú e não ir com você, e não te contar como foi, e não saber como vai. E não saber se vais, ou se ficas. Ficar parada na blitz, ter o carro guinchado e ficar sozinha, quando poderia ter ligado para tantas pessoas. Mas era você. Seria você, sempre meu herói, que iria me buscar, me acalmar, me fazer da risada daquilo tudo. E não sendo você, então que não fosse ninguém. E não sendo ninguém, fico na angústia de ser só eu. Eu só, em um mundo de gente.


Te amo. Ainda que sozinha.




PS: Caros leitores, desculpa os textos tão pessoais ultimamente, se não gosta das minhas interioridades. Mas tem coisas que só consigo dizer ao meu blog.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Memórias póstumas de um beijo sem lembrança

"Difícil traduzir a sensação que tive quando nos rendemos àquele meteórico beijo. Pensei em tantas coisas em tão pequena fração de tempo que pensei em quase nada. Ou nada sólido. Pondo a canto a positividade ou não das emoções, seria, talvez, como ter á testa o algor de um cano de revólver. Nesse momento se pensa em tudo e nada ao mesmo tempo. Como se toda uma vida, o que se foi e o que deveria ser, passasse tão desenfreadamente pela cabeça que não fosse possível ordenar um pensamento sequer. Resta apenas um aspirante e quase subconsciente talião a ecoar como um bordão: vou morrer!, vou morrer!. A mesma ressonante inoportuna domava meus sentidos ao passo que a boca molhada com gosto de não-me-lembro-o-quê degustava solitária o ósculo por tanto e tantos desejado: Vou morrer!, vou morrer! Se senti outra coisa enquanto beijava Chico, o Buarque, não me recordo. "

** Conto de minha amiga (e figuraça) Nyala. Porquê onze, de cada dez mulheres, querem o Chico!

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Eu sou brega.

Eu estava alí, deitada, tentando tirar um cochilo antes de cair na noite de sexta...mas não consegui. Desliguei a luz, a televisão, mas não adiantou, porquê dentro de mim não se fez silêncio. Uma angústia por não sei o quê, uma ansiedade que vem não sei de onde. Coração tão apertado...quer dizer, na verdade acho que o contrário. Acho que meu coração infla. Infla tanto, tanto que toma o corpo, a cabeça. E eu posso sentir cada batida dele. Isso acontece com vocês? A agonia é tanta que se sente cada batida que o coração dá, numa ressonância tão forte que parece até que o coração está parado, e o que esta batendo é o corpo todo : "TUMMM MMM MMM MMM". Eu fico de saco cheio de mim. Dessa minha mania de querer amar, de querer um amor. Não consigo viver sem estar apaixonada. É sempre tudo tão intenso, que ao fim de cada emoção eu me sinto esgotada. E eu não falo de estar apaixonada por homem, necessariamente. É estar apaixonada por uma amizade, um livro, uma banda, uma cidade, de uma forma tal, que não me passa outra coisa pela cabeça que não tenha relação com a paixão do momento. Estou cansada de ser assim, quero sintonizar. Sabe? Nem alta estação, nem baixa estação...tipo assim, primavera.


Eu amo demais. E cansei .




"...Basta um instante

E você tem amor bastante."
(P. Leminski)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

De repente, nós.

A importância de um sentimento está na intensidade com que ele acontece, e não no tempo. Fato comprovado. Na minha vida, tudo sempre acontece no "de repente". Tava tudo bem, aí de repente... Tava tudo horrível, aí de repente... Tava tudo calmo, aí de repente... De Repente é carnaval! De Repente, é Recife. O colorido de suas ruas, dos seus blocos de fanfarra e maracatu, da tradicional Olinda. É impressionante como aqui em Salvador nós não fazemos noção do que é BRINCAR CARNAVAL, no sentido literal da palavra. São concepções diferentes de diversão. Em Pernambuco, as pessoas realmente brincam. Adultos, crianças, idosos. Todos põem suas fantasias e vão as ruas cantar as marchinhas. "Oliiinda, quero cantar a tii, esta canção...". Muito bonito! Sem falar nos shows que vão madrugada a dentro, numa festa de ritmos e sons para todos os gostos. Um carnaval multicultural, como eles dizem por lá. Reunião de todas as tribos e respeito a diversidade. Amei Pernambuco, com todas as forças. Amor no bater dos olhos. Quem disse que não se pode amar assim, num rompante? Paixão a primeira vista; vista de olhos verdes e íris amarela. Pés andarilhos, coração nômade. Que cantei, que dancei, que me entreguei, que tem uma admirável beleza. Que me leve. Que te guardo.






sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Caracteres

"Restituo ao público o que ele me deu; dele peguei emprestado a matéria desta obra; é justo que, depois de a ter concluído com todo o respeito pela verdade de que sou capaz e que merece de minha parte, eu faça ao público essa restituição. Poderá contemplar com prazer este retrato, que dele fiz segundo o original e, se reconhecer alguns dos defeitos que aponto, procurar corrigir-se. É o único objetivo que se deve ter ao escrever e também o resultado que menos se deve esperar, mas, assim como os homens não desistem do vício, não se deve tampouco deixar de recriminá-los por isso.Talvez seriam piores, se viessem a faltar-lhes censores e críticos; é o que faz com que se fale e se escreva. O orador e o escritor não poderiam esconder a alegria que sentem ao ser aplaudidos, mas deveriam envergonhar-se de si próprios se, por seus discursos ou escritos, só tivessem procurado elogios; a aprovação mais sincera e menos equívoca é resultante da mudança de costumes e da reforma moral daqueles que os lêem ou escutam."

"[...] Aqueles, finalmente, que se dedicam a escrever máximas querem ser acreditados. Eu consinto, ao contrário, que digam de mim às vezes que não observei bem, desde que me provem ter observado melhor que eu."

** (Jean de La Bruyère, em "Caracteres".)