terça-feira, 24 de julho de 2012

Hiato


Parece que era uma irmã. Uma amigona pau-pra-toda-obra, dessas com a qual se faz o melhor programa, as maiores aventuras e no dia seguinte faz a gente sorrir o dia inteiro lembrando das barbaridades da noite anterior, sem poder dividir com mais ninguém além dela. Sei lá, pode parecer loucura, mas era essa a minha relação com ela. Tinha intimidade. Lia as coisas que saiam a seu respeito pelo mundo e pensava: “ Criatura, de novo?!?! Tsc!”. Falar do talento e da voz dessa mulher  é um tanto desleal. Não há palavra que consiga definir a exuberância que foi e é a existência de Amy Winehouse. Há um ano, o mundo ficou mais sem graça. As pessoas  ainda mais caretas, a música oca. A partida de Amy deixou um imenso vazio musical que dificilmente será preenchido. Assim como Janis e todos os outros brilhantes do conhecido “clube dos 27”. Assim como Raulzito, Cássia Eller, Elis... E todos os outros que estão há anos luz de nós, reles mortais, que nos contentamos em ouvi-los e criticá-los quanto à conduta imoral, antissocial e degradante.  Quando penso nessas pessoas, verdadeiros anjos libertários que tentaram, à sua maneira torta, abrir os nossos olhos cerrados, quando penso nessas pessoas, sinto felicidade em saber que existiram ao meu tempo... E sinto pena, muita pena de nós!

Saudades das nossas noitadas, querida Amy!




quarta-feira, 11 de julho de 2012

Terceiro milênio.

Não tem jeito, eu não consigo me acostumar. Talvez seja machismo, velhice, ou caretice mesmo. Fato é que não tem quem me faça aceitar toda essa androgenia. Fico pensando se sou só eu... Porque toda vez que ponho essa questão em pauta, fico na minoria. Mas meu Deus, quem foi que disse que é bonito homem depilado?! Pelo amor de Vera Verão?! Ah não... Tá bom gente, eu sei que soa preconceituoso, pode ser preconceito mesmo, mas não me desce. Passar a mão nas pernas masculinas e elas estarem espetando... Encontrar o namorado no salão, fazendo depilação, sobrancelha... Eu hein. Admito, não aprendi a conviver com isso. Gosto mesmo é dos cabelinhos gostosos no peito, pra fazer um chamego bom, dormir deitada...hummm! As mulheres também não ficam atrás. É tanta malhação, e toma num sei quê, aplica sei quê lá, as moças estão ficando um amontoado de músculos. Exercício físico, ok, mas o que é isso agora?! Estão todas atrás de um destaque no alterofilismo?! Sei não viu. Terceiro sexo, terceiro milênio, tudo bem. Talvez o problema seja meu. Preciso mesmo evoluir. 



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Carta de Caymmi para Jorge Amado.


Não me ouso a dizer nada... Deleitem-se!


“Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma

linda canção para Yemanjá pois o reflexo do sol desenha seu manto em

nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para

Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci. Talvez Stela

saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi

que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para

Zélia e eu morro de saudade de vocês. Quando vierem, me tragam um

pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.



Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado,

andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um

perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de

quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao

voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a

Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou

de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com

abarás e acarajés e gente em volta. Se eu tivesse tempo, ia ser

pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar,

compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com

pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que

tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô,

conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como

investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir

Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas

outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?



Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte

anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia

está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar

tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova

iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na

roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir

ao trono de rainha? Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou

menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando,

indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de

Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu

tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele

para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom

filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.



Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um

edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser

vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei

um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo,

daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.



Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em

peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.

Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina,

Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras

e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te

tendo de padrinho. A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas

inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano

africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.
 
 
 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Desnecessário.

Não é só isso. O corpo a corpo, o suor, o peso. Mas não só isso. Cabelos, mãos, suspiros, sussurros... O beijo com finalidade, o abraço com finalidade, um cheiro com finalidade. Bom... Mas não, não só isso. Não me satisfaz, não me sacia. Pra ser bem sincera, até me esvazia. Definha o bem querer. Torna-se reducionista. Olho no olho, carinho no rosto. Beijo com vontade, abraço com vontade, um cheiro com vontade. Nada disso rotula. Nada disso é assustador! O contrário me causa repulsa. Necessidades fisiológicas não ensinaram meu corpo a ser meretriz. Está tudo conectado: corpo, coração, mente. E tudo tem sua pequena parcela de exigências que querem ser minimamente cumpridas. Não adianta tocar, sem tocar. Beijar sem beijar. Não tem jeito, preciso das vísceras. Ou então... Ou então nem precisa.